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Ana Luisa Amaral - Entre As Duas E As Três
ENTRE AS DUAS E AS TRÊS
Queria falar do que não tem concerto:
as letras desenhadas e compostas
com que confundo o espaço do papel,
a angústia compassada no contar
e a súbita alegria de ser eu
penosamente, às duas da manhã
Queria escrever do que não tem lugar:
a branca, doce e sonolenta estrada
onde espaçadas as palavras crescem,
suavizadas pelo lento sono
que devagar percorre as coisas todas
penosamente, às duas da manhã
Queria dizer do que não tem conserto:
ou seja, eu; ou seja, o papel branco
sombrio agora por já ser demais,
as letras excedentes e sonoras
desmembrando o silêncio e a noite toda
penosamente, às duas da manhã
Só então falarei do que ficou:
compassada alegria desenhada
na angústia de dizer sem me contar,
o papel confundido de impotente
e todavia prontas as palavras.
Quase às três da manhã. Penosamente.
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I wanted to say what can't be fixed:
that is, me; that is, the white paper
dark now because it's already too much,
the surplus and sonorous letters
dismembering the silence and the whole night
painfully, at two in the morning
Only then will I speak of what remains:
compassed joy drawn
in the anguish of telling without telling,
the paper confused with impotence
and yet the words are ready.
Almost three in the morning. Penosamente.